Capítulo 57
1240palavras
Depois de alguns dias, ela teve a ideia perfeita para um presente. Naquela terça, quase saltitava de satisfação com o seu senso de humor enquanto ia até ele no sofá da sala dos professores.
- Olá – cumprimentou ela – Feliz aniversário! Este ano eu não esqueci.
Ele a encarou por cima dos óculos.
- Esse era o ano ideal para você esquecer – resmungou.
Cristina se sentou no sofá ao lado dele.
- Ora, James – começou, passando o braço pelos ombros dele, exibindo um tom falsamente animado – Anime-se. Afinal, não se faz 50 anos todo dia. E, para mostrar como essa data é importante, eu comprei um presente para você.
James levantou os olhos e a encarou visivelmente espantado.
- Certo, agora eu acordo na Terra de Oz.
- Ah, para com isso! Você também não me dá presentes há anos.
- Cristina, eu já te dei uma relíquia histórica. Vale por todos os presentes da sua vida.
- Uma suposta relíquia histórica – sublinhou Cristina – Tudo pode ser história de carochinha dos seus parentes.
- Pense assim se quiser – disse ele, desanimado – Agora dê o meu presente.
Cristina remexeu na sua bolsa, pegou um embrulho e pôs na mão dele. James o ergueu e encarou o troço sob a luz.
- Uma caixinha retangular – descreveu ele – É leve, então você não quer me explodir.
- Você bem merecia, mas não. Abra logo.
James desembrulhou. Olhou para o presente. Depois a encarou.
- Tintura para cabelos. Tão humorístico, Cristina.
- Ah, você tem que concordar – argumentou ela, segurando o riso enquanto mexia nos cabelos dele, cheios de fios brancos – Você não tem tendência à calvície, mas pelo ritmo da coisa, não vai ser mais ruivo em pouco tempo.
- Talvez em sete ou oito anos. Mas estranho seria se meus cabelos não descolorissem. Acontece com todos. Um dia você também vai ser uma velhinha de cabelos brancos.
Cristina estremeceu e passou as mãos nos cachos avermelhados.
- Jamais. Estarei com a minha tinta vermelho acaju para sempre.
James deu de ombros e colocou a caixinha em cima de uma mesa próxima, aparentemente abandonando o tópico.
- Tenho uma novidade para você – anunciou.
Cristina se empertigou no sofá.
- Diga.
- Seu marido trabalha na mesma universidade do que eu?
- Sim, mas é no...
- Então no próximo ano ele vai trabalhar comigo.
Cristina congelou.
- O quê?
- Letras vai se unir novamente com as demais ciências humanas no mesmo prédio. Demorou muito tempo, se quer a minha opinião.
- Você não vai arranjar confusão, vai? – perguntou ela, amedrontada.
Ele riu.
- Por que eu faria isso? Se não quer confusão, fale com ele.
O sinal tocou naquele momento. James se levantou, se despediu e foi para sua sala, mas Cristina nada ouviu. Aquela notícia inesperada sacudira ainda mais sua cabeça e a deixara com um pressentimento muito ruim.
Alguns anos depois, ele se provaria certo.
-
Depois de ouvir todo o discurso da mãe, Miguel passou um longo, longo tempo sem dizer nada, em choque.
- Então eu sou filho de Mário, o motorista? – perguntou ele, num início bem leve de histeria.
- Ela não disse isso – interpôs-se Cristina – Você pode ser, é diferente.
- E por que eu? – perguntou Miguel, indignado – Por que não Maurício?
- Não ouviu nada o que falei? – questionou sua mãe, as mãos nos quadris – É o seu tipo sanguíneo. Se você for mesmo O, não pode ser filho de Adriano, mas...
- O que explicaria muita coisa – resmungou Miguel.
-...sua esposa disse que você pode ter o tipo sanguíneo falso.
Miguel olhou para Olga.
- O quê?
Ela se aproximou.
- Você pode ser um falso O. Ou seja, ser geneticamente um A, B ou AB, mas não expressar nada no fenótipo. Seus exames de sangue ordinários seriam sempre O.
- Qual é a chance disso?
- Pequena – admitiu ela – Mas possível.
- Se você for na verdade AB – continuou Teresa -, como seu irmão...
- Ou meio-irmão – observou Miguel, e pela primeira vez pareceu feliz com a perspectiva.
-..., seria com certeza filho de Adriano.
- Como sabe disso? – questionou Cristina.
- Mário me disse que é O.
- E se eu for A? – sugeriu Miguel – Ou B? Como daria para ter certeza de quem é o meu pai?
As três mulheres se entreolharam.
- Pensaremos em algo – respondeu Teresa – Mas o importante agora é você fazer esse teste. Se der AB como seu verdadeiro tipo sanguíneo, poderemos ficar sossegados. Diga que fará.
- Vou fazer – confirmou ele, sombrio – Afinal, tenho que saber se a herança é minha.
- Isso mesmo – aprovou Teresa, dando uma palmada no ombro do filho – É esse o espírito. Nada derrubará a dignidade da minha família.
Cristina franziu a testa, imaginando onde estaria essa tal dignidade.
- Agora preciso fazer as unhas – anunciou Teresa – Depois nos falamos para acertar os detalhes. Estou indo.
Olga olhou o relógio.
- Também preciso ir, tenho que buscar Yuri.
- Ótimo, me dê uma carona. Quero dar um beijo no meu netinho.
Olga ficou evidentemente contrariada, mas não teve escolha. Foi-se com sua sogra.
- Cristina.
Ela olhou para Miguel. Com exceção de Maristela, que cuidava da cozinha, eles estavam a sós agora.
- Não pense que não entendi. Se eu for aquele troço que Olga falou...
- Falso O – disse Cristina, focando o olhar em um ponto da parede e tentando se convencer que não estava tremendo.
- Isso. Eu posso ser pai de Alice.
- É, pode – admitiu ela.
- Cristina, olha para mim.
Ela olhou. Miguel estendeu os braços.
- Vem aqui.
Obediente com um cachorrinho, ela foi, parando bem na frente dele, que a abraçou pela cintura.
- Se eu for um falso O – continuou ele, olhando para cima para encará-la – vou querer um teste. Vou querer saber, certo?
Cristina assentiu. Satisfeito, Miguel a puxou para o sofá. A incessante cantoria da empregada na distante cozinha os tranquilizava; só poderiam ser surpreendidos quando aquela desafinação cessasse, o que só ocorreu uma boa meia hora depois. Durante aquele tempo, ele a fez reafirmar que permitiria a realização do exame de DNA de Alice, se o resultado comprovasse mesmo que Miguel tinha o Fenótipo Bombaim. Quando ela foi embora, ele estava mais ou menos tranquilizado quanto a essa questão. Não deveria.
Cristina jamais disse quando permitiria a realização do exame.